sábado, 30 de janeiro de 2010

"A segunda vitória" - Morris L. West

Após a Segunda Grande Guerra, tempo dos vencedores, a Força Aliada, iniciarem a reconstrução dos países vencidos, designando tropas militares para administrar povoados e cidades, impor ordem e garantir a paz restabelecida.
O tenente-coronel britânico Mark Hanlon é designado para o vilarejo de Bad Quellenberg, na Áustria, com o cargo de Comandante das Forças de Ocupação. Logo à chegada, seu companheiro de viagem, o Sargento Willis é assassinado, nem mesmo chegando ao povoado.
Inicia-se, ao se instalar, o processo de investigação para captura do assassino, revelando-se, então, uma rede de ligações entre o foragido, a polícia local e o silêncio cúmplice dos habitantes.
No livro, percebemos os traumas da guerra, os membros do Partido Nazista, agora sem poder, caçados e ainda com o gosto da guerra em suas bocas, o caos dos libertados presos dos campos de concentração, os feridos dos combates, a desesperança, os informantes da Força Aliada, seus benefícios, os "especuladores da guerra", que desviavam os valores roubados pelos Nazista do povo judeu, as fortunas acumuladas pela força paralela, os pais sem filhos, esposas sem maridos, as carências vindas do período negro da batalha, dramas humanos, favorecimentos, uso do poder... Todos esses aspectos são percebidos, usando personagens como o administrador do vilarejo, o médico, um advogado que acumulou fortuna usando seu prestígio, o chefe de polícia, que usava de o poder que possuía para conhecer a vida dos habitantes e fazer uso das informações em benefício próprio...
Um retrato da Áustria pós-guerra, quando ainda os campos de concentração não passavam de boatos, mas que a realidade posta aos olhos, quando colocados à frente dos sobreviventes esquálidos e doentes.
Faz-nos ver que a percepção de mundo de cada um é construída com base em suas experiências, a busca constante de algo que as preencha, filhos das escolhas ou levados pelas vicissitudes que a vida dita em seus caminhos.

Passagens:
"A maioria dos homens morre lentamente, sob as preocupações e canseiras da vida de todos os dias"

"...É desta forma que morrem as cidades e também os impérios. Não morrem geralmente de cataclismos esporádicos, como sejam a guerra, os terremotos, o fogo, as inundações, mas morrem, sim, do lento abandono vital dos membros em prol de uma intensificação da vida em redor do pequeno coração palpitante, cujos ventrículos são o mercado, os estabelecimentos, as tabernas, e igreja. O coração acaba também por morrer, tempos depois, visto que, quando os membros morrem, o corpo fica imóvel e inútil e a vida torna-se numa repetição de palpitações sem razão de ser, uma verdadeira perda de energia e um movimento que não conduz a futuro algum!"

"Um homem morto é uma tragédia, mas um milhão de mortos representa mais do que o pensamento humano pode alcançar. Plantem pinheiros à sua volta e, dentro de vinte anos, os cemitérios terão desaparecido. Deixem os jornalistas escrever o que quiserem durante o mesmo tempo e a verdade será enterrada sob uma montanha de palavras. É por isso que ninguém aprende as lições dadas pela História. A História,l de resto, já não existe... não passa de colunas quebradas e fragmentos dispersos pelo mundo. Tudo o resto são comentários e opiniões facciosas."

"Existe um limite para o que o corpo e o espírito humano podem aguentar. Qualquer homem pode enlouquecer de terror, de sofrimento ou mesmo devido ao súbito contacto com os males do mundo. Estes são casos extremos. Existem, contudo, milhares de degraus que descem para o vale da morte ou para as cavernas da loucura. A menor ferida deixa uma cicatriz nos tecidos. O menor choque deixa um risco na memória. As faculdades mentais são frequentemente afectadas por causas insignificantes. Eu, por exemplo, posso curar um inválido, mas não posso fazer andar direito e sem muletas. Da mesma forma. também me é impossível fazer que a mente inválida pense direito."

"Um homem pode lutar contra todos os inimigos, menos com os que vivem na sua própria casa."

"O homem é o animal mais triste do Mundo. O acto que lhe dá o maior prazer é também aquele que o aproxima mais da morte."


domingo, 24 de janeiro de 2010

Ler Freud é só para uns poucos 'Iniciados'?

O criador da Psicanálise, o médico Sigmund Freud, escreveu muito e escrevia muito bem. Suas "Obras Completas" compõem-se de 24 volumes e incluem ensaios relativos a aspectos da prática clínica, uma série de conferências que delineiam toda a teoria, além de monografias especializadas sobre questões religiosas e culturais.

Há quem considere que atualmente a tendência é a de que suas obras devam ser valorizadas pelo valor literário: "Não é à toa que nas principais universidades americanas as idéias de Freud estão saindo dos departamentos de medicina e psicologia e sobrevivem apenas nos cursos de literatura." (GRUMBAUM, Apud PASQUALI, 2010). De qualque forma, Freud ainda parece ser o autor de língua alemã cuja tradução é de longe a mais debatida e estudada.

Mesmo nós, simples mortais, podemos ler seus livros. Ler Freud não é apenas para uns poucos "iniciados". Alguns pouco familiarizados com a literatura psicanalítica podem apreciar suas obras. Freud escrevia de modo agradável e com muita clareza.

Durante o Mestrado, li alguns dos livros da coleção "Obras Completas": "Interpretações dos Sonhos I", Duas Histórias Clínicas ("O Pequeno Hans" e o "O Homem dos Ratos"), além de "O Futuro de Uma Ilusão, o Mal-Estar na Civilização e Outros Trabalhos" disponíveis na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Inicialmente levada por uma necessidade acadêmica, pensava que seria uma tarefa difícil a leitura, porém me surpreendi como esta fluiu de forma relativamente fácil, principalmente na descrição e interpretação dos casos clínicos.

Claro, ler Freud não é como ler Agatha Christi ou Dan Brown, mas pode ser prazeroso também. Pode-se perceber o escritor impecável, seu talento narrativo e sua prosa rica. A leitura estética da obra de Freud já foi criticada como ingenuidade subjetiva, não tendo uma demarcação rígida entre
prosa científica e prosa artística. Mas já não se disse tantas vezes que a Psicanálise é uma "pseudociência"?

Referência usada nesta postagem: PASQUALI, S. Uma "Crítica" (Sic) a Psicanálise Freudiana... Disponível em: http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/2043394. Acesso em 24 jan 2010.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010



Para os amantes dos livros, uma dica de um excelente site, onde você lê opiniões, resenhas, além de catalogar o que já leu, que pretende ler, que está lendo, trocar, dizer o que tem em sua estante.
Basta fazer o cadastro e navegar pelo mundo da literatura.
De quebra, às vezes algumas promoções são feitas entre os membros.
Estamos lá.
Vale a pena conferir.

"Angústia" - Graciliano Ramos

Luís da Silva, personagem-narrador do livro, é um funcionário público que vive só com uma empregada surda, num casebre em Maceió/AL, repleto de ratos, onde se vê e ouve a rotina dos vizinhos próximos. Órfão desde novo, desenvolve uma auto depreciação, um senso crítico exagerado, preso a sombras do passado, cheio de frustrações, onde figuras como o avô, o pai e outras presenças funestas povoam suas lembranças.
Aos trinta nos, fica noivo de Marina, a filha dos vizinhos, mas logo ela é seduzida por Julião Tavares, um rico comerciante. Entre várias obsessões, soma-se mais uma, o asco e ódio por Julião Tavares, por ter lhe tirado a noiva, engravidado-a e mando fazer aborto.
Os personagens que compõem a trama são construídos na miséria, sofrimento, um real quadro de angústia humana.
Compulsão por lavar as mãos, observador dos transeuntes, pessoas comuns que circulavam pelo bonde, pelas ruas, o livro consegue nos fazer caminhar pelo pensamento doentio e obsessivo, desde a descrição do contar de seus passos quando anda, até esmiuçar-se em detalhes observados desde os paralelepípedos da rua, pés e pernas, até os sentimentos refletidos nos que vê.
Luís da Silva é um personagem preso em si mesmo e em seus pensamentos, escravo de seu ódio e asco pelo mundo e pessoas. O ápice de sua paranóia dá-se com Julião Tavares, quando desenvolve a idéia de assassiná-lo por ter-lhe roubado a noiva. Porém, mesmo para uma mente desatinada, pensamentos ávidos e velozes, não resiste ao ato de matar. Ao final, o autor consegue que entremos na mente desvairada do personagem, numa profusão de imaginários desencontrados, auge da loucura.
Como o título bem diz, uma angústia.



"Como certos acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente! Vamos andando sem nada ver. O mundo é empastado e nevoento. Súbito uma coisa entre mil nos desperta a atenção e nos acompanha. (...) Quanto mais me vejo rodeado mais me isolo e entristeço. (...) A multidão é hostil e terrível. "

"O tapete vermelho da escada me dava impressão desagradável. Podia ser de outra cor. As luzes do farol mudavam de minuto a minuto, branca, vermelha, branca, vermelha. Porque não aparecia uma terceira cor? Aquilo era irritante, mas o farol me atraía. Pelo menos variava mais que a sentinela, tinha mais vida que a sentinela."