domingo, 13 de dezembro de 2009

"A Confissão de Lúcio" - Mário de Sá-Carneiro

Novela de Mário de Sá-Carneiro, ambientada entre 1895 e 1913, ano que em o escritor-personagem Lúcio Vaz muda-se de Portugal para estudar direito em Paris, até sua ser libertado da prisão em 1913, após cumprir 10 anos de prisão pelo assassinato de Ricardo de Loureiro.
O romance trata de uma carta-confissão de Lúcio, quando diz-se inocente do crime que foi acusado e condenado. Relata o que se passou - como dita sua mente - tentando mostrar a verdade, como o personagem mesmo diz, "mesmo quando ela é inverossímil".
Inicia o relato falando de sua amizade com Gervásio Villa-Nova, artista, constrói o ambiente que convive em Paris, os artistas da época. Através de Gervásio, conhece Ricardo de Loureiro, poeta, por quem desenvolve uma sólida amizade. Com pensamentos perturbadores, angústias, Ricardo mostra que, para ter uma verdadeira amizade por alguém, terá de possuir quem é o alvo de sua ternura, ou seja, o amigo ou amiga a quem atribui tal sentimento.
Ricardo muda-se para Portugal e, passados alguns meses, com parca troca de correspondência, Lúcio também retorna ao seu país, sabendo que Ricardo já estava casado, por uma breve informação em uma de suas cartas.
Conhecendo Marta, a esposa de Ricardo, Lúcio sente atração, envolve-se em seu mistério, quando nada sabe-se dela, seu passado, o que pensa -e nem poderia ser diferente... e tornam-se amantes. Esse mistério que envolve a esposa do amigo o intriga e o leva à obsessão. Constatando que ela não possui apenas ele como amante, foge outra vez para Paris, onde se refugia longe de todos por seis meses.
Retorna a Portugal para mudar uma peça de teatro que escreveu e estava em ensaios para ser lançada brevemente.
Encontra Ricardo e o triângulo é revelado como sendo de conhecimento do amigo, tendo sido iniciado até pela sua própria ordem à esposa, pois assim teria o amigo, sendo ele e Marta um mesmo espírito.
A homossexualidade velada na novela nos faz ver a necessidade do personagem construir a imagem de Marta o lado feminino de Ricardo, o que nos dá um clima de mistério, fazendo o leitor voltar, ao fechar a última página, rever diálogos e sentimentos, para colher o sentido do assassinato e quem de fato foi morto, quem existia de fato, quem era fruto de imaginação, quem era os reais amantes.
Detalhei demais a resenha, o que não deixa de ser um erro, já que tira o brilho da leitura. Mas há de se concordar que tratando-se de uma novela com tantos sentidos dúbios, alguma impressão nas entrelinhas deve ser deixada.
Deixa-nos, ao final, a visão de que a mente do ser humano funciona como sendo um esquizofrênico que crê naquilo que deseja, que a realidade nada mais é que o imaginado de um desejo profundo, e que o acreditar-se inocente nada mais é que a máscara da culpa por não querer enxergar a realidade.
Uma boa leitura. Recomendamos.

Passagens:

"Gastar tempo é hoje o único fim da minha existência deserta. Se viajo, se escrevo - se vivo, num planeta, creia-me: é só para construir instantes. Mas dentro em pouco - já o pressinto - isto me saciará. E que fazer então? Não sei... não sei... Ah! que amargura infinita..."

"As dores morais transformam-se-me em verdadeiras dores físicas, em dores horríveis, que eu sinto materialmente - não no meu corpo, mas em meu espírito"

"Em face de todas as pessoas por quem adivinho ternuras assalta-me sempre um desejo violento de as morder na boca"

"Marta, porém, logo me fez calar com um beijo mordido..."

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