terça-feira, 9 de novembro de 2010

Encerramento do Diário Literal

Esta é a última postagem deste blog, depois de quase três anos de postagem de nossas despretensiosas resenhas de livros, com períodos de assiduidade e outros de ausência.

Agradecemos aos nossos visitantes.

Deixamos uma frase de despedida:
"Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio - e eis que a verdade se me revela." (Albert Einstein)


Namaste!

sábado, 6 de novembro de 2010

"Asfalto selvagem - Engraçadinha seus amores e seus pecados" - Nelson Rodrigues

Engraçadinha é uma adolescente voluptuosa e muito bonita (quase uma "Lolita" de Nabokov), apaixonada pelo primo Sílvio, que está casamento marcado com Letícia, também prima. Mesmo noiva de Zózimo, rapaz de humildade exagerada, simplório, arma uma trama para desfazer o enlace matrimonial, seduzindo Sílvio e simulando uma gravidez. O pai, Dr. Vasconcelos, político, ao saber, confessa à filha que Sílvio não é seu primo, mas irmão, exigindo e até contratando um profissional que a faça abortar, além de reconstituir a virgindade perdida.
Nesse período, vários personagens aparecem na trama: as tias velhas de Engraçadinha, Tia Ceci, Tia Zezé e seu marido Nonô, Odorico Quintela, entre outros.
Além da narrativa descritiva dos acontecimentos, cada personagem tem seu pensamento dissecado, mostrando a lascívia, os desejos obscuros, pecaminosos, as verdades que não são ditas ou admitidas. Mas nem todos os pensamentos conseguem ser guardados, a exemplo do Odorico, que, para relatar os motivos pelo qual o juiz teria cometido suicídio, fala sobre uma possível paixão do Dr. Arnaldo pela filha, reflexo de seu próprio desejo.
A esse tempo, Sílvio já sente-se muito atraído por Engraçadinha e não consegue resistir a seus encantos. Ao saber que trata-se de sua irmã, mutila-se, para extirpar o desejo que sentia. Dr. Arnaldo, não conseguindo o perdão do filho, suicida-se.
Engraçadinha casa-se com Zózimo, descobre-se realmente grávida de Sílvio e decide ter o filho. Daí vivem 20 anos, ela agora uma protestante fervorosa, esquecida dos prazeres do mundo que a assaltavam, num casamento sem amor, uma vida doméstica, onde cada dia é uma repetição de obrigações e orações, para criar os cinco filhos e cuidar da casa.
Nesse momento, ressurge o Juiz Odorico Quintela, que 20 anos antes era procurador, o mesmo que discursara no enterro do seu pai, bem lembravam Engraçadinha e Zózimo.
Ela vê na filha mais nova, Silene, dos cinco que teve, um espelho dela mesma: a devassidão e luxúria. A adolescente namora Leleco, menino inibido, seu primeiro parceiro na cama que, ao se ver afrontado por três amigos, assassina um deles.
Dr. Odorico, para conquistar aquela que foi objeto de seus desejos pelos longos 20 anos, presenteia a família, faz favores, tudo planeja para seduzir Engraçadinha.
Como "membro do judiciário", faz-se valer de jornalistas e intelectuais da época para alimentar sua retórica, usa também seu prestígio para obter favores e influenciar decisões.
Nesse tempo também, ressurge do passado Letícia, que também, durante os 20 anos, ainda nutre o amor doentio pela prima e vê o espelho dela em Silene, que tanta seduzir.
A volúpia da juventude arrebata Engraçadinha, quando conhece Luís Cláudio, não resiste e o faz seu amante.
O romance é entrançado por personagens passageiros, diálogos tricotados ao acaso, assim fazendo críticas a literatos, políticos e personalidades da época, fazendo um retrato histórico - início dos anos 40. Uma obra de fôlego, que se consegue também ler sem que se dê conta de seu extenso volume.
Incesto, pederastia, luxúria, traição, corrupção, vida familiar, casamentos em crise, amores doentios e obsessivos... temas tão bem trabalhados por Nelson Rodrigues.
A obra foi transporta para cinema em 1981, dirigido por Haroldo Marinho Barbosa, tendo como protagonistas Lucélia Santos, Luís Fernando Guimarães, Wilson Grey, Daniel Dantas, entre outros. Também foi feito em forma de minissérie em 18 capítulos, num canal de TV aberto, em 1995, sob direção de Carlos Gerbase, João Henrique Jardim e Denise Saraceni, participando como elenco Cláudia Raia, Alessandra Negrini, Paulo Betti, Pedro Paulo Rangel, Hugo Carvana, entre outros.
Vale a pena ser lido, devorado, interpretado e sentido, numa análise na natureza humana de forma quase primitiva, mas bem realista.
Excelente leitura!

Passagens:

"[Dr. Bergamini] aprendera, em vinte anos de ginecologia, que a mulher normal, equilibrada, é capaz de amar dois, três, quatro ao mesmo tempo. O amor múltiplo é uma exigência sadia de sua carne e de sua alma. A exclusividade que ela dá, e que o homem exige, representa um equívoco ou, pior: - um aviltamento progressivo fatal. Cada minuto de felicidade significa assim um novo desgaste. Há tão pouco amor por isso mesmo: - porque o degradam com deveres, com obrigações. Como dever, como obrigação, a fidelidade é um virtude vil!"

"...Dr. Arnaldo fez uma reflexão que o surpreendeu e, mesmo, o consternou: - 'Só um débil mental pode casar-se na presunção de que o casamento é divertido, variado ou simplesmente tolerável. É divertido como um túmulo'. Essa idéia, que jamais lhe ocorrera, deixou-o estupefato. Estupefato e indignado consigo mesmo. - 'Eu pensei isso!', foi seu estupor honesto."

"...o juiz estava achando deprimente era o Zózimo. Por detrás de sua polidez, fazia uma generalização brutal: - 'Marido é assim! Camisa rubro-negra sem mangas, axilas abundantes e obscenas, de chinelos e sem meias!' - 'De resto' - concluía - 'é preciso muito cinismo para que um casal, qualquer casal, chegue às bodas de prata!'"

"- (...) O amigo não interessa! O amigo trai na primeira esquina! - e repetia, numa certeza enfática: - Na primeira esquina! Ao passo que o inimigo não trai nunca. O inimigo é fiel, percebeu? O inimigo é o que vai cuspir na cova da gente!"

"Guimarães Rosa pode ser um gênio. Mas é a maior monotonia verbal de todos os tempos. Dirá você que é um problema de acomodação auditiva. Mas, das duas, uma: ou o sujeito aceita o Guimarães Rosa e repudia os outros; ou prefere os outros e chuta o Guimarães Rosa"

"'Só os bêbados se confessam. Eu, se fosse carola, enchia a cara antes do confessionário. Para contar tudo na batata'. Não acreditava na sinceridade dos sóbrios, dos lúcidos. E acrescenta, num lampejo inesperado: - 'A confissão católica é, para a alma feminina, como um toque ginecológico, sem luva'."

"O Juscelino dá confiança demais à juventude, corteja a juventude. Mas escuta cá: - o que é o jovem? O jovem ou é um Rimbaud ou um débil mental, digno do SAM'."


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"A Outra Volta do Parafuso" - Henry James


Escrito em 1898, publicado originalmente sob a forma de artigos entre janeiro e abril em uma revista inglesa, o livro "A Outra Volta do Parafuso" é narrado em primeira pessoa, para fazer entender a existência de relatos feitos, anos antes, pela irmã da protagonista que relata a história. A protagonista uma jovem peceptora contratada para cuidar de duas crianças, cujos pais morreram em um acidente.

Aos 20 anos de idade, a mais nova das filhas de um pastor resolve aceitar um emprego como preceptora dessas crianças, Flora e Miles, em substituição à antiga preceptora que falecera de forma misteriosa, a Srta. Jessel.

Estranhos acontecimentos tomam conta da rotina de trabalho, como aparições da empregada antiga que a protagonista substituía, e de Quint, um antigo funcionário e suposto namorado da Srta. Jessel, também morto. Começamos, então, a perceber a influência que tais personagens sobre as crianças. Isso leva a nova preceptora a investigar o que está acontecendo, com o auxílio de Mrs. Grose, que cuidava dos afazeres domésticos.

O interesse pelos fatos transformam-se em obsessão, confundindo, no decorrer da leitura, o real e o imaginário, com reflexo na forma como a preceptora vê as crianças e em seu próprio comportamento.

Trata-se de uma narrativa que se chama de "fantástica", ou seja, permeada por fantasmas. Mas, às vezes, temos a impressão de que a protagonista está mesmo é sofrendo de uma doença mental. Isso torna a narativa muito rica e instigante. Na dimensão que parece fantasmagórica, percebe-se um tom de sobrenatural, mas é um sobrenatural discreto, sutil. Não é uma história de terror, como são geralmente as histórias do sobrenatural.

As personagens são, na verdade, ambivalentes e com muitas contradições, refletindo o gênero humano de forma muito criativa.

Um livro que nos prende do início ao fim e, ao final... bem, aí vocês aproveitem, leiam e encontrem o final dessa trama.

Boa leitura!

Um trecho do livro para estimular a leitura:

Um dos pensamentos que me acompanhavam [...] era que seria encantador como um conto encantador se eu me encontrasse subitamente com alguém. Alguém apareceria, de repente, na volta do caminho e ficaria parado a fitar-me, sorrindo, com ar de aprovação. Não pedia mais do que isso: pedia apenas que ele soubesse, e a única maneira de estar certa de que ele o sabia teria sido lê-lo na bondosa expressão de seu belo rosto. Isso estava claramente presente em minha imaginação – isto é, o rosto – quando, na primeira dessas ocasiões, no fim de um longo dia de junho, detive-me subitamente, ao sair de trás de uns arbustos e deparar com a casa à minha frente. O que me pregou no chão – chocando-me muito mais do que qualquer outra visão o poderia ter feito – foi a sensação de que a minha fantasia, num abrir e fechar de olhos, tornara-se real. Lá estava ele!... mas muito no alto, além do relvado, no próprio topo da torre [...].

domingo, 29 de agosto de 2010

"Ressurreição" - Machado de Assis

Félix, solteiro convicto de 36 anos, cujos romances têm prazo de seis meses duração, vê-se arrebatado de amores pela irmã viúva do amigo Viana, Lívia. O sentimento o surpreende, nascido da ânsia de uma nova aventura e, alimentado, transforma-se em algo que o faz pensar em enlace matrimonial, para surpresa da sociedade e dos amigos. A experiência de vida que o levou até ali, de casos amorosos fugazes, não prepararam seu espírito para a confiança suficiente que um relacionamento exigiria. Assim, o ciúme constante, o receio em assumir o romance publicamente, as dúvidas são constantes no pensamento de Félix.

O livro trata de amores, paixões, numa cadeia de gostar insano, culpas e ciúmes gerados pelo gostar de outrem sobre o objeto amado; retrato de uma sociedade perdida nos amores e desamores; mostra o romantismo da primeira fase de Machado de Assis, é o seu primeiro romance escrito. 

"Os meus amores são semestrais; duram mais que as rosas, duram duas estações. Para meu coração, um ano é uma eternidade. Não há ternura que dure mais de seis meses; ao cabo desse tempo, o amor prepara as malas e deixa o coração como um viajante deixa o hotel; entra depois o aborrecimento mau hóspede"

"Só mais tarde te convencerás de que viver não é obedecer às paixões, mas aborrecê-las ou sufocá-las"

"A confiança também se parece com a indiferença, e a indiferença é o pior de todos os males"

"Há quem diga que o primeiro amor nasce apenas da necessidade de amar"

"Podes ser feliz do mesmo modo que o queiras ser então; basta que te ame alguém. (...) Falta-me a primeira condição da paz interior: eu não creio na sinceridade dos outros"

Download do livro: Ressurreição - Machado de Assis

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

"Uma lágrima de mulher" - Aluísio Azevedo


Maffei, ambicioso pescador de uma das Ilhas de Lipari, no mar da Sicília, decide ir para Nápoles procurar riqueza e deixa a filha Rosalina com Ângela, uma espécie de ama. Volta anos depois, mas encontra a jovem filha apaixonada por Miguel Rizio, pobre, sem família que desse um enlace feliz a esse romance, decide levar Rosalina para Nápoles, pois lá ela arranjaria um marido, se não rico, mas que desse a ele (Maffei) um título de nobreza. Viaja pensando que matara Miguel em uma briga que tiveram, deixando ordem para que dessem fim ao corpo.
Miguel sobrevive e, anos mais tarde, consegue descobrir onde Rosalina mora, indo a seu encontro. Mas a Rosalina que existe é outra, transformada, cercada de luxos, com outros aprendizados e novas experiências. Encontramos aí já os traços do naturalismo (excetuando-se o romantismo exagerado), quando o mundo social e hereditário influencia na formação do indivíduo.
O final do livro traz semelhanças shakesperianas, mas não surpreende.
A pequena novela é ambientado na primeira metade do século XIX e é o primeiro romance de Aluísio Azevedo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

"Escola de mulheres" - Molière

Peça de Teatro que fala sobre o adultério, tendo Arnolfo como personagem principal,
conhecido como aquele que ri dos homens que são traídos por suas esposas. Dizendo-se conhecedor da alma feminina, julga impossível ser ele mesmo vítima de uma traição.
Arnolfo decide casar-se com Inês, sua protegida desde os 4 anos de idade e cercou por cuidados especiais, objetivando torná-la uma mulher passiva, ignorante, estúpida e, portanto (em seu ponto de vista), incapaz de traí-lo, maior de seus medos.
Porém, surge Horácio, jovem e bonito, que conquista a inocente moça, mesmo em sua ingenuidade. Horácio tem como confidente o próprio Arnolfo, que considera amigo e, desconhecendo ser ele o misterioso protetor de Inês, vê suas investidas a sua amada sempre frustradas.
Crisaldo, os tolos criados Alain e Georgette, Oronte são outros personagens que fazem parte da trama.
Afinal, a ignorância pode ser garantia de um amor sem traições? Ou a ignorância impede que veja que seja traição, não a impedindo? São questões da peça, muito divertida, fácil leitura.


sábado, 7 de agosto de 2010

"Os belos e os malditos" - F. Scott Fitzgerald

Adam Patch, proprietário de uma enorme fortuna, tem como único herdeiro Antony Patch, seu neto, que, desde a época da faculdade, desenvolve um estilo de vida de sem trabalho ou responsabilidades, em farras com amigos, apesar do pouco recurso que tinha, já que o avô recusava-se a dar-lhe mesadas. Os recursos eram da herança da mãe. Sem perspectivas do que possa ser ou ao que dedicar-se na vida, apenas administra seus gastos, pensando que talvez se tornasse um escritor do Renascimento.
Uma frase do livro nos dá uma idéia de Antony Patch: "parecia trágico nada querer - e, não obstante, ele queria algo, algo".
O avô, Adam Patch, dedicava-se à regeneração moral da sociedade, lutando contra a imoralidade, a bebida, os vícios.
Antony conhece a prima de um de seus amigos, Gloria Gilbert, casam-se e vivem conforme antes: de festas, gastos, bebidas. O pensamento seria conseguir logo a fortuna do avô, doente, então não haver necessidade de trabalhar.
Depois de tempos de idílio amoroso, logo a "magia passa e ficam apenas os amantes". Mas convivem, sempre em busca de companhias que não os deixassem sós, ou os tirasse da realidade, pela embriaguez constante.
Porém, quando morre, Adam Patch nada deixa para o neto, símbolo do que ele renegava: a devassidão.
Enquanto questionam o testamento de Adam na justiça, Antony e Glória vivem às migalhas do que restou, agora com o alcoolismo, sem os amigos das farras, sem o brilho da juventude de viver tudo o que pudessem intensamente, sem preocupações financeiras .
Assim é o desenrolar da trama. O desgaste do casamento, os laços de amizade, a moralidade, são temas que percebemos no livro que tem como cenário o início do século XX em Nova York.
Um bom livro.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

sábado, 30 de janeiro de 2010

"A segunda vitória" - Morris L. West

Após a Segunda Grande Guerra, tempo dos vencedores, a Força Aliada, iniciarem a reconstrução dos países vencidos, designando tropas militares para administrar povoados e cidades, impor ordem e garantir a paz restabelecida.
O tenente-coronel britânico Mark Hanlon é designado para o vilarejo de Bad Quellenberg, na Áustria, com o cargo de Comandante das Forças de Ocupação. Logo à chegada, seu companheiro de viagem, o Sargento Willis é assassinado, nem mesmo chegando ao povoado.
Inicia-se, ao se instalar, o processo de investigação para captura do assassino, revelando-se, então, uma rede de ligações entre o foragido, a polícia local e o silêncio cúmplice dos habitantes.
No livro, percebemos os traumas da guerra, os membros do Partido Nazista, agora sem poder, caçados e ainda com o gosto da guerra em suas bocas, o caos dos libertados presos dos campos de concentração, os feridos dos combates, a desesperança, os informantes da Força Aliada, seus benefícios, os "especuladores da guerra", que desviavam os valores roubados pelos Nazista do povo judeu, as fortunas acumuladas pela força paralela, os pais sem filhos, esposas sem maridos, as carências vindas do período negro da batalha, dramas humanos, favorecimentos, uso do poder... Todos esses aspectos são percebidos, usando personagens como o administrador do vilarejo, o médico, um advogado que acumulou fortuna usando seu prestígio, o chefe de polícia, que usava de o poder que possuía para conhecer a vida dos habitantes e fazer uso das informações em benefício próprio...
Um retrato da Áustria pós-guerra, quando ainda os campos de concentração não passavam de boatos, mas que a realidade posta aos olhos, quando colocados à frente dos sobreviventes esquálidos e doentes.
Faz-nos ver que a percepção de mundo de cada um é construída com base em suas experiências, a busca constante de algo que as preencha, filhos das escolhas ou levados pelas vicissitudes que a vida dita em seus caminhos.

Passagens:
"A maioria dos homens morre lentamente, sob as preocupações e canseiras da vida de todos os dias"

"...É desta forma que morrem as cidades e também os impérios. Não morrem geralmente de cataclismos esporádicos, como sejam a guerra, os terremotos, o fogo, as inundações, mas morrem, sim, do lento abandono vital dos membros em prol de uma intensificação da vida em redor do pequeno coração palpitante, cujos ventrículos são o mercado, os estabelecimentos, as tabernas, e igreja. O coração acaba também por morrer, tempos depois, visto que, quando os membros morrem, o corpo fica imóvel e inútil e a vida torna-se numa repetição de palpitações sem razão de ser, uma verdadeira perda de energia e um movimento que não conduz a futuro algum!"

"Um homem morto é uma tragédia, mas um milhão de mortos representa mais do que o pensamento humano pode alcançar. Plantem pinheiros à sua volta e, dentro de vinte anos, os cemitérios terão desaparecido. Deixem os jornalistas escrever o que quiserem durante o mesmo tempo e a verdade será enterrada sob uma montanha de palavras. É por isso que ninguém aprende as lições dadas pela História. A História,l de resto, já não existe... não passa de colunas quebradas e fragmentos dispersos pelo mundo. Tudo o resto são comentários e opiniões facciosas."

"Existe um limite para o que o corpo e o espírito humano podem aguentar. Qualquer homem pode enlouquecer de terror, de sofrimento ou mesmo devido ao súbito contacto com os males do mundo. Estes são casos extremos. Existem, contudo, milhares de degraus que descem para o vale da morte ou para as cavernas da loucura. A menor ferida deixa uma cicatriz nos tecidos. O menor choque deixa um risco na memória. As faculdades mentais são frequentemente afectadas por causas insignificantes. Eu, por exemplo, posso curar um inválido, mas não posso fazer andar direito e sem muletas. Da mesma forma. também me é impossível fazer que a mente inválida pense direito."

"Um homem pode lutar contra todos os inimigos, menos com os que vivem na sua própria casa."

"O homem é o animal mais triste do Mundo. O acto que lhe dá o maior prazer é também aquele que o aproxima mais da morte."


domingo, 24 de janeiro de 2010

Ler Freud é só para uns poucos 'Iniciados'?

O criador da Psicanálise, o médico Sigmund Freud, escreveu muito e escrevia muito bem. Suas "Obras Completas" compõem-se de 24 volumes e incluem ensaios relativos a aspectos da prática clínica, uma série de conferências que delineiam toda a teoria, além de monografias especializadas sobre questões religiosas e culturais.

Há quem considere que atualmente a tendência é a de que suas obras devam ser valorizadas pelo valor literário: "Não é à toa que nas principais universidades americanas as idéias de Freud estão saindo dos departamentos de medicina e psicologia e sobrevivem apenas nos cursos de literatura." (GRUMBAUM, Apud PASQUALI, 2010). De qualque forma, Freud ainda parece ser o autor de língua alemã cuja tradução é de longe a mais debatida e estudada.

Mesmo nós, simples mortais, podemos ler seus livros. Ler Freud não é apenas para uns poucos "iniciados". Alguns pouco familiarizados com a literatura psicanalítica podem apreciar suas obras. Freud escrevia de modo agradável e com muita clareza.

Durante o Mestrado, li alguns dos livros da coleção "Obras Completas": "Interpretações dos Sonhos I", Duas Histórias Clínicas ("O Pequeno Hans" e o "O Homem dos Ratos"), além de "O Futuro de Uma Ilusão, o Mal-Estar na Civilização e Outros Trabalhos" disponíveis na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Inicialmente levada por uma necessidade acadêmica, pensava que seria uma tarefa difícil a leitura, porém me surpreendi como esta fluiu de forma relativamente fácil, principalmente na descrição e interpretação dos casos clínicos.

Claro, ler Freud não é como ler Agatha Christi ou Dan Brown, mas pode ser prazeroso também. Pode-se perceber o escritor impecável, seu talento narrativo e sua prosa rica. A leitura estética da obra de Freud já foi criticada como ingenuidade subjetiva, não tendo uma demarcação rígida entre
prosa científica e prosa artística. Mas já não se disse tantas vezes que a Psicanálise é uma "pseudociência"?

Referência usada nesta postagem: PASQUALI, S. Uma "Crítica" (Sic) a Psicanálise Freudiana... Disponível em: http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/2043394. Acesso em 24 jan 2010.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010



Para os amantes dos livros, uma dica de um excelente site, onde você lê opiniões, resenhas, além de catalogar o que já leu, que pretende ler, que está lendo, trocar, dizer o que tem em sua estante.
Basta fazer o cadastro e navegar pelo mundo da literatura.
De quebra, às vezes algumas promoções são feitas entre os membros.
Estamos lá.
Vale a pena conferir.

"Angústia" - Graciliano Ramos

Luís da Silva, personagem-narrador do livro, é um funcionário público que vive só com uma empregada surda, num casebre em Maceió/AL, repleto de ratos, onde se vê e ouve a rotina dos vizinhos próximos. Órfão desde novo, desenvolve uma auto depreciação, um senso crítico exagerado, preso a sombras do passado, cheio de frustrações, onde figuras como o avô, o pai e outras presenças funestas povoam suas lembranças.
Aos trinta nos, fica noivo de Marina, a filha dos vizinhos, mas logo ela é seduzida por Julião Tavares, um rico comerciante. Entre várias obsessões, soma-se mais uma, o asco e ódio por Julião Tavares, por ter lhe tirado a noiva, engravidado-a e mando fazer aborto.
Os personagens que compõem a trama são construídos na miséria, sofrimento, um real quadro de angústia humana.
Compulsão por lavar as mãos, observador dos transeuntes, pessoas comuns que circulavam pelo bonde, pelas ruas, o livro consegue nos fazer caminhar pelo pensamento doentio e obsessivo, desde a descrição do contar de seus passos quando anda, até esmiuçar-se em detalhes observados desde os paralelepípedos da rua, pés e pernas, até os sentimentos refletidos nos que vê.
Luís da Silva é um personagem preso em si mesmo e em seus pensamentos, escravo de seu ódio e asco pelo mundo e pessoas. O ápice de sua paranóia dá-se com Julião Tavares, quando desenvolve a idéia de assassiná-lo por ter-lhe roubado a noiva. Porém, mesmo para uma mente desatinada, pensamentos ávidos e velozes, não resiste ao ato de matar. Ao final, o autor consegue que entremos na mente desvairada do personagem, numa profusão de imaginários desencontrados, auge da loucura.
Como o título bem diz, uma angústia.



"Como certos acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente! Vamos andando sem nada ver. O mundo é empastado e nevoento. Súbito uma coisa entre mil nos desperta a atenção e nos acompanha. (...) Quanto mais me vejo rodeado mais me isolo e entristeço. (...) A multidão é hostil e terrível. "

"O tapete vermelho da escada me dava impressão desagradável. Podia ser de outra cor. As luzes do farol mudavam de minuto a minuto, branca, vermelha, branca, vermelha. Porque não aparecia uma terceira cor? Aquilo era irritante, mas o farol me atraía. Pelo menos variava mais que a sentinela, tinha mais vida que a sentinela."