sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Helen Keller: Lutando contra as trevas

Helen Keller (1880-1968)

"Lutando contra as trevas" é um livro sobre religião e espiritualidade, e sobre a americana Helen Keller. Não é apenas a fascinante história desta mulher, mas também uma reflexão sobre a busca de uma vida edificante, apesar da presença de grandes limitações físicas.

No prefácio, entende-se que se trata dos ensinamentos de Emanuel Swedenborg, filósofo e teólogo sueco, e sobre a influência que Helen recebeu pela leitura de sua obra. Ela conta, de forma tocante, como os escritos teológicos de Swedenborg mudaram sua vida, mas também revela muito sobre si mesma, sobre sua fé e sua força. Ela foi uma mulher cega que teve grandes realizações por causa da sua profunda espiritualidade. O livro é uma espécie de "autobiografia espiritual".

“Atraímos sobre nós sofrimentos desnecessários quando exageramos a extensão da nossa dor”

"Nunca se deve consentir em rastejar quando se sente um impulso para voar."

"No mundo maravilhoso do Espírito, senti-me tão livre como se estivesse no outro mundo."

"Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que vêem: usem seus olhos como se amanhã fossem perder a visão. E o mesmo se aplica aos outros sentidos. Ouça a música das vozes, o canto dos pássaros, os possantes acordes de uma orquestra, como se amanhã fossem ficar surdos. Toquem cada objeto como se amanhã perdessem o tacto. Sintam o perfume das flores, saboreiem cada bocado, como se amanhã não mais sentissem aromas nem gostos. Usem ao máximo todos os sentidos; gozem de todas as facetas do prazer e da beleza que o mundo lhes revela pelos vários meios de contacto fornecidos pela natureza. Mas, de todos os sentidos, estou certa de que a visão deve ser o mais delicioso."

"Apesar de o mundo estar cheio de sofrimento, ele também está cheio de superação. Meu otimismo, por isso, não repousa sobre a ausência do mal, mas na grata crença da preponderância do bem e no esforço contínuo de cooperação com o bem, para que ele prevaleça."

Após a leitura desse livro, foi preciso ler mais sobre a autora e sua vida. Helen Keller (1880-1968) foi cega, surda e muda durante toda sua vida. Aprendeu a ler aos 10 anos de idade.

Sempre chamava a atenção para a falta de apreciação e valorização dos próprios sentidos pelas pessoas ditas normais, algo que normalmente não se percebe quando se tem.

Foi educadora, escritora e advogada de cegos porque tinha grande poder de realização. Percorreu vários países promovendo campanhas para melhorar a situação dos deficientes visuais e auditivos.

Superou todos os obstáculos que lhe foram impostos, tornando-se uma notável personalidade do século XX. Graduou-se em Filosofia. Ao longo da vida recebeu títulos honorários de diversas instituições importantes, como a Universidade de Harvard, e foi nomeada membro da Legião de Honra da França.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

"Pollyana Moça" - Eleanor H. Potter


Pollyana continua em seu jogo, que chama "jogo do contente", onde a regra básica é achar em tudo que acontece motivos para sentir-se contente, coisas ruins ou boas. Claro, coisas boas não há porque não se sentir contente, mas nas ruins é que vê-se o sentido do tal joguinho. A novela retrata a personagem dos 13 até os 20 anos de idade e como sua postura diante da vida modificou - inconscientemente mesmo - a vida de outras pessoas.
O jogo já existe nesse livro, não foi criado com ele, pois é continuação de "Pollyana", lançado pela autora em 1913, sendo essa continuação em 1915.
A menina que, desenganada pelos médicos após um acidente,
com prognóstico que não mais andaria, passa um ano num sanatório, onde conhece Della Wetherby, que, encantada, leva-a para passar um inverno em casa de sua irmã, Mrs. Carew, personagem angustiada e depressiva, afetada pelo desaparecimento do sobrinho Jamie. Aí Pollyana opera suas transformações, acabando pela história de todos se entrelaçarem ao final.
Um livro infanto-juvenil de fácil leitura e pequeno, que deixa mensagens de alegria e, claro, contentamento.

domingo, 13 de dezembro de 2009

"A Confissão de Lúcio" - Mário de Sá-Carneiro

Novela de Mário de Sá-Carneiro, ambientada entre 1895 e 1913, ano que em o escritor-personagem Lúcio Vaz muda-se de Portugal para estudar direito em Paris, até sua ser libertado da prisão em 1913, após cumprir 10 anos de prisão pelo assassinato de Ricardo de Loureiro.
O romance trata de uma carta-confissão de Lúcio, quando diz-se inocente do crime que foi acusado e condenado. Relata o que se passou - como dita sua mente - tentando mostrar a verdade, como o personagem mesmo diz, "mesmo quando ela é inverossímil".
Inicia o relato falando de sua amizade com Gervásio Villa-Nova, artista, constrói o ambiente que convive em Paris, os artistas da época. Através de Gervásio, conhece Ricardo de Loureiro, poeta, por quem desenvolve uma sólida amizade. Com pensamentos perturbadores, angústias, Ricardo mostra que, para ter uma verdadeira amizade por alguém, terá de possuir quem é o alvo de sua ternura, ou seja, o amigo ou amiga a quem atribui tal sentimento.
Ricardo muda-se para Portugal e, passados alguns meses, com parca troca de correspondência, Lúcio também retorna ao seu país, sabendo que Ricardo já estava casado, por uma breve informação em uma de suas cartas.
Conhecendo Marta, a esposa de Ricardo, Lúcio sente atração, envolve-se em seu mistério, quando nada sabe-se dela, seu passado, o que pensa -e nem poderia ser diferente... e tornam-se amantes. Esse mistério que envolve a esposa do amigo o intriga e o leva à obsessão. Constatando que ela não possui apenas ele como amante, foge outra vez para Paris, onde se refugia longe de todos por seis meses.
Retorna a Portugal para mudar uma peça de teatro que escreveu e estava em ensaios para ser lançada brevemente.
Encontra Ricardo e o triângulo é revelado como sendo de conhecimento do amigo, tendo sido iniciado até pela sua própria ordem à esposa, pois assim teria o amigo, sendo ele e Marta um mesmo espírito.
A homossexualidade velada na novela nos faz ver a necessidade do personagem construir a imagem de Marta o lado feminino de Ricardo, o que nos dá um clima de mistério, fazendo o leitor voltar, ao fechar a última página, rever diálogos e sentimentos, para colher o sentido do assassinato e quem de fato foi morto, quem existia de fato, quem era fruto de imaginação, quem era os reais amantes.
Detalhei demais a resenha, o que não deixa de ser um erro, já que tira o brilho da leitura. Mas há de se concordar que tratando-se de uma novela com tantos sentidos dúbios, alguma impressão nas entrelinhas deve ser deixada.
Deixa-nos, ao final, a visão de que a mente do ser humano funciona como sendo um esquizofrênico que crê naquilo que deseja, que a realidade nada mais é que o imaginado de um desejo profundo, e que o acreditar-se inocente nada mais é que a máscara da culpa por não querer enxergar a realidade.
Uma boa leitura. Recomendamos.

Passagens:

"Gastar tempo é hoje o único fim da minha existência deserta. Se viajo, se escrevo - se vivo, num planeta, creia-me: é só para construir instantes. Mas dentro em pouco - já o pressinto - isto me saciará. E que fazer então? Não sei... não sei... Ah! que amargura infinita..."

"As dores morais transformam-se-me em verdadeiras dores físicas, em dores horríveis, que eu sinto materialmente - não no meu corpo, mas em meu espírito"

"Em face de todas as pessoas por quem adivinho ternuras assalta-me sempre um desejo violento de as morder na boca"

"Marta, porém, logo me fez calar com um beijo mordido..."

sábado, 5 de dezembro de 2009

"Caim" - José Saramago

Baseado em passagens do Antigo Testamento, Saramago reescreve a criação de Adão e Eva e crescimento de seus filhos, mais especificamente, Caim, personagem que, indo para o passado e futuro, parodia passagens bíblicas num estilo próprio do autor: toques ilusórios, humor sarcástico e contundente em relação à crença e à Igreja.
Relatos como a destruição de Sodoma e Gomorra, a provação de Abraão em dar seu filho Isaac como sacrifício, a queda dos muros de Jericó, entre outras, onde colhe as guerras, as mortes, incesto, vilania... Caim é levado a questionar o próprio crime (assassinou seu irmão por achar que este seria preferido do senhor), em face às violências que presenciou em suas andanças, castigo imposto pelo próprio senhor.
Em seu crime, Deus, o senhor, é dado como co-autor de sua desgraça, quando poderia ter evitado, tirando da cena do crime a arma que o fez matar o irmão Abel.
Caim revela, no decorrer do livro, um lado humano, bom caráter, o que o leva a analisar os atos do Criador, interpondo-se, ao final, nos planos da criação de uma no
va humanidade, tendo sido Noé o escolhido para recolher espécies de todos os seres para esse intento.
Também narra a figura do diabo, quando retrata a figura de e suas tentações por satã para provar sua devoção ao senhor.
Como Saramago é um escritor a quem ama-se ou odeia-se, não é um livro para ler quem não admira seu estilo, pois cairá nas teias do emaranhado de posições polêmicas que o escritor adota.
Porém, como somos inconfessáveis admiradoras do escritor português, indicamos a leitura, sendo este um bom livro, não excelente, apenas bom.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

"Esaú e Jacó" - Machado de Assis

Bem ao estilo de Machado de Assis, como se conversasse com o leitor, o livro trata de irmãos gêmeos, Pedro e Paulo Santos, filho de Natividade e Agostinho, tiveram seu futuro previsto por uma cabocla conhecida como detentora de poderes de adivinhar o futuro. Para os gêmeos, disse "cousas futuras", grandiosas; sobre o passado, que eles brigaram no útero da mãe.
As diferenças de personalidade, gostos, competições, foram presentes em todo o decorrer da trama, desde opiniões políticas até a concorrência pelo amor de uma única moça, Flora.
Época de Proclamação da República, também é um retrato de época, quando trata de relatos de opiniões, poderes políticos, abolição da escravatura. Todos emblemados nos discursos dos personagens. Entre eles, Aires, amigo da família, figura que alinhava como coadjuvante, mas que possui papel preponderante no livro, pois é dada a ele os relatos escritos, como se fossem achados em cadernos os registros que seguem o romance, mas narrado em terceira pessoa.
O título, Esaú e Jacó, faz referência a personagens bíblicos, também gêmeos, possuidores também de inimizades entre si.


Link para download: "Esaú e Jacó" Machado de Assis

terça-feira, 27 de outubro de 2009

"As vinhas da ira" - John Steinbeck

Época da grande depressão norte-americana, recessão econômica, a família Joad, como várias outras que cultivavam algodão em Oklahoma, estado do leste dos Estados Unidos, são expulsos de suas terras, ocasionados pela mecanização da agricultura e dívidas em bancos para pagar impostos. Seduzidos por um panfleto que propaga empregos na Califórnia, arranjam um meio de transporte e vão alimentar os sonhos, procurar trabalho. De início, planos, idealização de uma forma de vida mais humana... logo após, qualquer trabalho, não importa quanto pagasse, mesmo um trabalho quase escravo, contanto que pagasse o pão e a carne para não morrerem de fome.
No caminho, os mais velhos não resistem, morrem; outros, mais jovens, abandonam a luta familiar e seguem seus próprios rumos. Encontram a solidariedade, o senso de ajuda mútua que passa os outros que vivem a mesma situação. E são muitos que seguem o mesmo caminho em busca da sobrevivência. Famílias que alimentam desde a ganância
da venda de automóveis baratos, velhos, para deslocamento de famílias inteiras, até os fazendeiros que articulam preços insignificantes da colheita de frutas e algodão, aproveitando-se da oferta de mão-de-obra abundante e carente. Viver em condições sub-humanas, luta pela vida.
O livro inicia-se e percorre boa parte partindo de Tom Joad, um dos filhos que retorna da cadeia, depois de quatro anos preso por homicídio e volta para rever a família, encontrando o rancho que morava devastado e abandonado, a família prestes a viajar para a Califórnia.
Escrito em 1939, foi transferido em filme no ano de 1940, por John Ford.

Passagens:


"... esse livro. Já meu pai o tinha. (...) Escreveu o nome na capa inteira. E esse cachimbo, ainda cheirando a fumo forte. E esse quadro...(...) Acha que poderíamos levar esse cachorrinho de porcelana? (...) Não, acho que não. Aqui está a carta que meu irmão escreveu no dia anterior à morte dele. E aqui, um chapéu bem velho(...).

Como poderemos viver sem tudo isso que representa a nossa vida? Como poderemos viver sem tudo isso que recorda o nosso passado? Não, deixe tudo. Queime tudo."

"Caminhamos porque somos obrigados a caminhar. É o único motivo por que todos caminham. Porque querem alguma coisa melhor do que têm. E caminhar é a única oportunidade de se obter essa melhoria. Se querem e precisam, têm de ir buscar. É pena que se tenha de lutar tanto assim."

"Se tu, que tens tudo o que os outros precisam ter, puderes compreender isto, saberás também defender-se. Se tu souberes separar causas de efeitos, se tu souberes que Paine, Marx, Jefferson, Lênin foram efeitos e não causas, sobreviverás. Mas tu não poderás saber disto. Pois que a qualidade de "dono" mergulhaste sempre no "Eu" e sempre te isola do "nós"."

Link para download: As vinhas da ira - John Steinbeck

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

"O amor nos tempos do cólera" - Gabriel García Marquez

Ambienatado no Caribe, século XIX, o livro pode ser considerado um tratado sobre a velhice ou sobre um amor que dorou mais de meio século (mais exatamente 51 anos, 9 meses e 4 dias mais exatamente). Época em que o cólera era uma ameaça invisível, desconhecida, tal uma peste endêmica. Mas no livro os efeitos do cólera são confundidos com os sofrimentos de amor também, quando o sofrer não é apenas mental, mas físico também.
Florentino Ariza conhece Fermina Daza quando tem ainda seus 19 anos e ela 15, um amor que durou 3 anos de correspondências cheias de juras de amor e se encontraram apenas na entrega da primeira carta, na cobrança da resposta a essa carta e quando ela voltou da viagem que o pai a fez pazer para que se afasstasse de Florentino Ariza. Ele, empregado dos correios, sem atrativos financeiros ou físicos, jurou seu amor eterno, mesmo depois que ela, num encontro após sua volta, percebe que estivera enganada, que aquele homem que via, depois de tantas correspondências, nada tinha do que imaginava e nem supunha como poderia ter arranjado tal amor.
Florentino aquiesceu sua decisão, mas não abriu mão de seu amor, jurando eterno.
Fermina Daza casa-se com Doutor Jvenal Urbino e Florentino Daza, homem de linhagem e fortuna, para desespero de FLorentino Ariza, que toma a decisão de aguardar a morte de Doutor Juvenal Urbino com paciência, entregando-se a amores ocasionais para aplacar o sentimento que leva consigo e o persegue por mais de 50 anos, até o dia que o rival morre e ele reafirma seu amor a Fermina Daza na primeira noite de sua viuvez.
Quando falamos sobre um tratado sobre a velhice, referimo-nos que tratada do envelhecer, desde seu início, quando o fotógrafo Jeremiah de Saint-Amour comete suicídio, determinado a não chegar à velhice, já com seus 60 anos, num dia de Pentecostes, mesmo dia em que Doutor Juvenal Urbino morre, caindo de uma escada; ou ainda quando são jovens, vislumbre de um envelhecimento que imaginamos nunca acontecer com si próprio, mas com os outros. Essas percepções estão descritos em 53 anos de relato de cada personagem principal, os sentimentos, as mudanças de corpo e mente, as descobertas senis de casamentos longos e sem amor, o "cheiro de velhice", como ele o diz.
Fermina Daza, com 72 anos e Florentino Ariza com 76 se reencontram... mas para saber se continuam a paixão alimentada por Florentino Daza desde a juventude, fica nas mão dos leitores descobrirem. E vale a pena essa descoberta.
Excelente dica de leitura, livro que não poderia faltar a nenhum apaixonado pela literatura deixar de ler.

Passagens:

"...tomava algumas cooisas a cada hora, sempre às escondidas, porque em sua longa vida de médico e mestre foi sempre contrário a receitar paleativos para a velhice: achava mais fácil suportar as dores alheias que as próprias"

"Coisa bem diferente teria sido a vida para ambos se tivessem sabido a tempo que era mais fácil contornar grandes catástrofes matrimoniais do que as misérias minúsculas de cada dia. Mas se alguma coisa haviam aprendido juntos era que sabedoria nos chega quando já não nos serve para nada"

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

"Último tango em Paris" - Robert Alley

"Duas pessoas que cruzavam a ponte, movendo-se na mesma direção, (...) unidas numa cadência mútua, embora nem se conhecessem..."
Assim começa a história de Paul e Jeanne, um encontro casual, seu relacionamento anônimo, onde um não revela nada pessoal ao outro. Ele mais velho, experiência de vida, sua esposa tendo se suicidado poucas horas antes do encontro com Jeanne, que trata-se de uma bela e jovem parisiense, cheia de vitalidade.
Desse encontro, a paixão, a brutalidade da descoberta de um mundo devasso, profano, mas que seduz a jovem e distrái o mais experiente. No anonimato, apenas entregam-se ao desejo e apelos físicos de encontros fortuitos em um apartamento.
Em paralelo, a existência de cada um, os fantasmas de Paul, os mistérios que rodeiam o suicídio da esposa.
Onde fica o tango em Paris nisso tudo? Leiam o livro até o final que saberão.

Teve sua versão adaptada para cinema por Bernardo Bertolucci em 1973, que revogou seus direitos civis por 5 anos, pelas cenas de sodomia. Estrelado por Marlon Brando, Maria Schineider e Jean-Pierre Léaud.

sábado, 27 de junho de 2009

"A doçura do mundo" - Thrity Umrigar


"Você me ensina a dirigir?". A frase final que traduz quase o sentido do livro: tomar as rédeas da vida e decidir seu próprio destino, novos rumos, novas metas.
Tehmina Sethna, após a morte do marido Rustom, mudou-se para os Estados Unidos para viver com o filho, a nora e o neto, deixando a Índia, Bombaim, os amigos e suas origens. Sem a decisão final se permaneceria naquela terra nova, onde só estivera de visita a Sorab, o filho que se casara com uma americana, ou se voltaria à Bombaim. Essa dúvida permeia o livro, trazendo a discussão sobre sobrevivência e convivência sob o mesmo teto com a nora de costumes diferentes dos seus e o neto, Cookie, que crescia longe dos ditames indianos.
A visão do outro em relação aos seus costumes, que são alheios a si, apenas vistos por quem vê de fora, inconscientes, arraigados, e que, percebidos por outrem, tomam outra proporção; a presença ainda viva e forte do marido que a guiara por tantos anos, que agora a deixava à deriva, sem ter o comandante para guiar o timão do barco; a ingenuidade, bondade e amor que balizaram a vida de Tehmina, fazendo com que suas atitudes e pensamentos sejam ditados pelo que viveu, catando traços nos que cruzam seu caminho que justificam um ato de coragem, nunca de indiferença, raiva ou rancor... ... são algumas das tantas impressões que o livro nos deixa.
Até a decisão final se continua a viver nos EUA ou se volta à Índia, o livro desenvolve a rotina e a vida dos Sethna, desenrolando uma trama que proporciona ótima leitura, envolvente, emocionante, cativante.
Boa leitura!

Passagens:
"Quando os carregadores profissionais, com sua aparência fúnebre, chegaram para levantar o corpo dele e levá-lo à sua viagem final até o local onde os abutres descreviam voltas sobre o poço, Tehmina tivera de admitir que nem mesmo Rustom era capaz de vencer a morte, que a morte conseguira transformar seu rosto moreno e bronzeado numa espécie de giz cinzento(...), e que o relâmpago obscuro da morte era maior do que a energia elétrica que antes vibrara no corpo dele"

"A vida é feita mais do que a família imediata(...) - os vizinhos, mesmo aqueles que a gente não suporta; os amigos que a gente conhece há mais tempo do que conheceu o próprio marido; Sunil, o leiteiro que trapaceava, pondo água no leite que entregava na porta; Krishna e Parvati, o casal de sem-teto do outro lado da rua; Shiva, o mendigo sem pernas que vinha correndo feito um louco, no skate em que se sentava, para cumprimentar a gente com um sorriso (...). A vida é feita de todas as nossas rotinas."

"...Esse é um amor ilimitado, imorredouro, que não restringe, não aprisiona e nem retém, mas sai dançando à nossa frente como um espírito luminoso, que atrai a chama até que o sigamos, atravessando todo o universo"

"...por que essa relutância em enxergar Tara na plena complexidade de seu eu? Por que esse endurecimento do coração, esse desejo moralista de não reconhecer as raízes do comportamento precário daquela mulher com relação aos filhos? Por ventura Tehmina não vira com frequência, em seu trabalho de voluntária, como os maus-tratos perseguiam as gerações, como faziam seu pérfido veneno gotejar de um recipiente vazio para outro?"

terça-feira, 23 de junho de 2009

"O guardião de memórias" - Kim Edwards

Quando guardamos apenas conosco marcas de nossas vidas, segredos não revelados, mentiras contadas como verdades, ou elas nos envenenam ou nos fecha para o mundo. Essa é a sensação que o livro nos deixa, ao deitarmos a última página e finalizarmos a leitura.
Quando David Henry, na realidade David Henry MacCallister, fez o parto dos filhos gêmeos e tomou a decisão de mandar a filha nascida com Síndrome de Down para que fosse entregue numa instituição para deficientes mentais logo após o parto da esposa, ficando com o menino, perfeito e sem problemas, dizendo à esposa que a filha era natimorta, guardou a verdade para si. Não sabia que lidar com a “morte” da filha seria tão ou mais penoso para a esposa que aprender a lidar com a excepcionalidade da criança. Carregar o peso de saber da filha viva, ter suas próprias razões para tomar a decisão e não compartilhar, tomado pela angústia de levar segredos e memórias, transformou-o em escravo de suas próprias memórias e culpas.
A dolorosa perda da filha recém-nascida e sequer vista na percepção da mãe, suas fugas na bebida e em casos extraconjugais; o silêncio como construção da personalidade do filho...
Lembranças que se tornam marcos, lamentos contidos, silêncio como resposta.
Em paralelo, o crescimento de Phoebe, a menina que foi criada longe dos pais e que, apesar de ser portadora da Síndrome de Down, levou adiante sua vida, contrariando as expectativas de Henry, que julgou não viver tanto e com saúde.
A luta da mãe adotiva para incluir a filha em instituições públicas, o universo excepcional da criança que se torna mulher, capaz de um amor e credulidade que conquistavam e fazer-se amada mais ainda.
Esses são alguns dos temas que encontramos no livro, uma novela que percorre a vida dos personagens de 1964 a 1989.
Bom livro.

Passagens:
"...desde o nascimento dos filhos - Paul (...) e Phoebe, de algum modo presente pela ausência, apareendo-lhe em sonhos, parada no limiar invisível de cada momento -, Norah já não conseguia entender o mundo do mesmo jeito. Sua perda lhe deixara uma sensação de desamparo, que ela combaia preenchendo os dias."

"- A fotografia tem tudo a ver com segredos (...).Os segredos que todos temos e nunca revelamos.
- A música não é assim. (...)A música é como tocar a pulsação do mundo. A música está sempre acontecendo. Às vezes a gente consegue tocá-la por um momento e, quando consegue, sabe que tudo está ligado a tudo."

"Não se pode deter o tempo. (...) Não de pode captar a luz. Tudo que a gente pode fazer é virar o rosto para cima e deixar a chuva cair."

sábado, 20 de junho de 2009

Eric Clapton - a autobiografia


O livro escrito pelo pop star Eric Clapton, por tratar-se de uma autobiográfico não há muito o que "resenhar". Já diz o que é e de que se trata: vida, carreira, experiências pessoais de Eric Clapton, de sua infância, passando pela ascenção no mundo artístico, como guitarrista, depois sua carreira solo, o uso de drogas, o envolvimento com várias mulheres, famosas ou não... o mundo que se esconde por trás da fama e brilho de uma estrela da música mundial pelos olhos de um de seus integrantes.
O que fascinou no livro não foi acompanhar a vida
pessoal do artista, mas ter conhecimento de como nasceram tantas músicas que admiramos, gostamos, transporta-nos a outro universo, como por exemplo "Layla", "Cocaine", "Tears In Heaven", "Tearing us apart", "Holy mother", "My father's eyes", entre tantas outras.
Além de
acompanhar o nascimento dessas canções, perceber a influência de Muddy Watters e essa presença ser sempre lembrada em todo o livro, o que é um deleite para quem se encanta com o trabalho desse cantor de blues americano.
Para quem conhece a arte de tocar violão ou guitarra, a forma com que ele descreve sua maneira de dedilhar, como desenvolveu sua técnica, o andar entre trastes e cordas como se fosse uma teoria própria, mas para quem conhece, torna-se uma viagem.
Fora isso, o livro é previsível, não surpreende, num eterno retorno à frase "o melhor momento de minha vida", "a melhor fase que passei", "o maior emoção que senti", "nunca fiquei tão extasiado"... ou seja, foram vários então.
Mas compensa ser lido, pois torna visível que a paixão por algo faz com que se torne possível qualquer
objetivo a que se proponha. No caso de Clapton, a música.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

"A megera domada" - William Shakespeare

Clássico da literatura, a peça de teatro de Shakespeare "A megera domada" é algo que não pode deixar de ser lido.
Trata-se do casamento de Catarina, a filha mais velha de Batista, que precisa ser desposada antes, para que sua irmã mais moça, Bianca, case-se com algum dos vários pretendentes à sua mão. Porém, apesar de bela, a personalidade forte e a rudeza da primeira filha afasta qualquer candidato à sua mão.
Um do pretendentes de Bianca, Lucêncio, sabendo do dote que Catarina levará ao casar-se, convence Petrúquio a fazê-lo, pois que esse necessita do valor que receberá e, no trato, assemelha-se à personalidade de Catarina. Aliado a estratégia traçada, arma um plano para conquistar Bianca, disfarçando-se de professor e fazendo de seu criado ele mesmo, para apresentar-se a Batista como mais um pretendente, enquanto encontra-se livre para fazer a corte à amada.
A sagacidade de Petrúquio para "domar" a esposa não apenas nos faz rir, como analisar que o comportamento humano é condicionado àquilo que é imposto como castigo, mas dito que feito por amor.
À parte a trama do livro, a edição que conta com a tradução de Millôr Fernandes tira o rebuscado dos diálgos, preservando um humor contemporâneo e divertido de se ler.
Como o tradutor mesmo diz, "Não se pode traduzir sem o amplo conhecimento da língua traduzida mas, acima de tudo, sem o fácil domínio da língua para a qual se traduz. (...) Não se pode traduzir sem ser escritor, com estilo próprio, originalidade sua, senso profissional. Não se pode traduzir sem dignidade".
Essa edição, publicada pela Editora L&PM Pocket é deleitar-se com Sheakespeare e viajar na mente de Fernandes também.

sábado, 13 de junho de 2009

"Para sempre ou nunca mais" - Raymond Chandler

Livro policial, tendo como protagonista Philip Marlowe, detetive particular, contratado para seguir Eleanor King (ou Betty Mayfield ou Sra. Kingsolving), onde não lhe foi revelado as razões de informar os passos ou destino da mesma.
Profissional resignado, cínico, irônico, Malowe envolve-se na missão que deveria ser investigativa, emaranhando-se na trama, buscando, depois de cumprir sua tarefa de informar o paradeiro de seu objeto de trabalho, voltando à cena para descobrir o que haveria de mistério e quem seria Eleanor King.
Assassinato do provável amante de Eleanor, personagens escusos de Esmeralda, cidade onde ela foi refugiar-se, outros investigadores que estavam a procura dela, são algumas dos mistérios do livro.
Romance policial de qualidade, curto, fácil leitura.

Passagens:

"O bom senso é como o jogador reserva que poderia ter feito a bola do jogo se estivesse no time. Mas ele nunca está. Ele assiste a tudo da arquibancada, uma garrafinha no bolso. O bom senso é um homenzinho num terno cinza, que jamais erra uma conta. Mas é sempre o dinheiro de outra pessoa que ele está contando"

"Muitas poucas coisas dão alegria a um homem de minha idade. Um beija-flor, o modo extraordinário como se abre um botão de estrelícia. Por que em certo ponto de seu florescimento o botão se volta para os ângulos corretos? (...)Que estranha divindade criou um mundo tão complicado quando poderia, presumivelmente, ter feito um tão simples? (...) Há sofrimentos demais no mundo, quase sempre de inocentes."


sexta-feira, 22 de maio de 2009

Virgínia Woolf fala sobre o sentir-se doente

Virginia Woolf escreveu:

"Considerando como a doença é comum, como é tremenda a mudança espiritual que traz, como é espantoso quando as luzes da saúde se apagam, as regiões por descobrir que se revelam, que extensões desoladas e desertos da alma uma ligeira gripe nos faz ver, que precipícios e relvados pontilhados de flores brilhantes uma pequena subida de temperatura expõe, que antigos e rijos carvalhos são desenraizados em nós pela ação da doença, como nos afundamos no poço da morte e sentimos as águas da aniquilação fecharem-se acima da cabeça e acordamos julgando estar na presença de anjos e harpas quando tiramos um dente, vimos à superfície na cadeira do dentista e confundimos o seu "bocheche... bocheche", com saudação da divindade debruçada no chão do céu para nos dar as boas-vindas - quando pensamos nisto, como tantas vezes somos forçados a pensar, torna-se realmente estranho que a doença não tenha arranjado um lugar, juntamente com o amor, as batalhas e o ciúme, por entre os principais temas da literatura".

Este é um trecho de seu livro "Acerca de estar doente".

Virginia Woolf foi uma das mais importantes escritoras britânicas. Ela sofreu de doença mental desde a adolescência, apresentando episódios depressivos associados ocasionalmente a sintomas psicóticos (alucinações auditivas). Durante as fases depressivas ficava acamada, recusando qualquer alimento, com idéias delirantes de culpa e de auto-referância, além de sintomas somáticos (intensas cefaléias que a incapacitavam para qualquer atividade intelectual).

Em 1941, após diversas tentativas de suicídio, num episódio grave de depressão, Virginia Woolf se afogou em um rio, no Sussex, Inglaterra.


Contempla as palavras!


(...) “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse, pela resposta, pobre ou terrível, que lhes deres: Trouxeste a chave? (...)

(Procura da Poesia – Carlos Drumond de Andrade)

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Relatividade


Einstein procurou explicar de forma bem-humorada sua complexa teoria da relatividade para leigos com esta frase: “Quando você está cortejando uma moça simpática, uma hora parece um segundo. Quando você se senta sobre carvão em brasa, um segundo parece uma hora. Isso é a relatividade.”

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O homem é a única criatura que precisa ser educada


“O homem é a única criatura que precisa ser educada” é uma frase de Immanuel Kant (1724-1804), um dos grandes pensadores do Iluminismo.

O Homem não se define como tal no próprio ato de seu nascimento, pois nasce apenas como criatura biológica que precisa se transformar, se recriar como Ser Humano. Ao nascer, esse ser não se encontra preparado para se orientar no processo de sua própria existência. É ainda Kant quem reafirma que "o homem não pode se tornar homem senão pela educação".

Portanto, a formação humana resulta de um ato intencional, que transforma a criatura biológica em um novo ser, um ser de cultura. Esse ato denomina-se Educação.

Mas educar não é somente isso. É também "acionar os meios intelectuais de cada educando para que ele seja capaz de assumir o pleno uso de suas potencialidades físicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua própria formação. Esta é uma das condições para que ele se construa como sujeito livre e independente".

A Educação possibilita a cada indivíduo adquirir a capacidade de auto-conduzir seu próprio processo formativo.

[RODRIGUES, N. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. Educ. Soc. 22 (76): 232-257, 2001]

sábado, 18 de abril de 2009

Comunicar é partilhar sentido

"Comunicar não é de modo algum transmitir uma mensagem ou receber uma mensagem. Isso é a condição física da comunicação, mas não é comunicação. (...) Comunicar é partilhar sentido".
(Pierre Lévy)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

"Frankenstein", de Mary Shelley

A obra "Frankenstein", da inglesa Mary Shelley, é considerada a primeira obra de ficção científica, gênero literário que se volta para o mundo da ciência. Nesta obra, faz-se uma crítica à ambição científica.

Escrita em 1818, representa o gênero gótico de romances que marcou a segunda metade do século XVIII na Inglaterra. Mary Shelley condena o cientista ambicioso e critica a Ciência que deflagrou a sede de Victor Frankestein. Victor considerava a matemática e os conhecimentos a ela relacionados como uma base segura, da qual não poderia advir mal nenhum. Shelley critica essa fé cega na suposta neutralidade da Ciência.

Uma noite, ao testemunhar a destruição de um carvalho por um poderoso raio, o jovem Victor passa, através da explicação de um especialista, a tomar conhecimento da eletricidade. Após esse episódio, ele abandona os estudos aos quais vinha se dedicando, e assim narra tal mudança:
...abandonei de pronto as minhas prévias ocupações; desembaracei-me da história natural e toda a sua gênese, como se fossem criaturas disformes e abortivas ... . Nesse estado de espírito, eu me dediquei à matemática e aos ramos de estudo dela derivados, por estarem apoiados em sólidos alicerces e, portanto, serem dignos de minha consideração.
...Em retrospecto, me parece que esta mudança quase milagrosa em minha inclinação e vontade foi sugestão imediata do meu anjo da guarda — o último esforço do espírito de preservação para impedir a tormenta que mesmo naquele momento formava-se nos céus, pronta para me atingir. ... mas foi em vão. O destino era por demais potente, e as suas leis imutáveis haviam decretado minha mais absoluta destruição
(Shelley, 1982, p. 239).

Não se pode deixar de lembrar que, em Frankenstein, as mulheres são absolutamente passivas e se deixam destruir sem resistência pela ambição masculina. Ocorre um embate do desejo de auto-afirmação e autonomia masculina com a necessidade feminina de construir relações, onde o primeiro aspecto destrói o segundo.

Em Frankenstein, a atribuição da esfera intelectual, ou racional, a Victor, e da sentimental a Elizabeth, está clara no trecho onde o protagonista compara seu temperamento, quando criança, ao da futura noiva:
Eu era mais calmo e filosófico que minha companheira; meu temperamento, no entanto, não era tão flexível. ... Eu me deliciava na investigação dos fatos relacionados ao mundo real; ela se ocupava seguindo as criações aéreas dos poetas. O mundo era, para mim, um segredo, que eu desejava desvendar; para ela era um vácuo, que procurava povoar com seus próprios devaneios imaginários" (Shelley, 1982, p. 30).

segunda-feira, 30 de março de 2009

Psicossomática

“Quando o sofrimento não pode expressar-se pelo pranto, ele faz chorarem os outros órgãos.”
(William Motsloy)

domingo, 29 de março de 2009

Senso Crítico

Um bom livro faz pensar.
Através do estudo e análise de textos da mídia e do senso comum, o autor discute o sentido do raciocínio e da argumentação, os usos e abusos da lógica, a leitura nas entrelinhas e o apelo das falácias. É um livro voltado especialmente para estudantes de Metodologia Científica e pesquisas em geral.

O senso comum baseia-se em conhecimentos espontâneos e intuitivos, uma forma de conhecimento que fica no nível das crenças. No entanto há momentos em que as crenças se tornam problemáticas, aí o homem começa a pensar e surgem novas respostas, é neste momento que surge a Ciência.

Nossos estilos informais de comunicação e raciocínio (ou modo de pensar) habitualmente interferem com o trabalho na ciência, onde as regras do jogo são diferentes. As questões são resolvidas de maneiras diversas na vida cotidiana e na ciência e, por isso, muitos iniciantes passam por fases de frustração enquanto estão sendo ressocializados. Nas ciências humanas, normalmente apenas os alunos de pós-graduação recebem esta reeducação e, mesmo assim, somente quando elaboram suas dissertações.

As comunicações que recebemos diariamente, tanto na vida cotidiana como na ciência, exigem que transcendamos a lógica cujas regras, por mais úteis que sejam, tratam o raciocínio como se fosse algo que pudesse ser ensinado de forma automática, sem o uso da inteligência, sem intuições, sem reflexão sobre o significado das idéias consideradas.

O autor mostra com exemplos que para pensar criticamente, é necessário ser perspicaz, enxergar além da superfície, questionar onde não há perguntas já formuladas, e ver facetas que os outros não estão considerando.

“O bom senso é, entre todas as qualidades humanas, aquela distribuída mais por igual, pois todo mundo se acha tão dotado dele que até as pessoas mais exigentes nos demais assuntos geralmente não desejam ter uma porção maior desta qualidade do que já possuem”. (René Descartes, Discurso Sobre o Método).

CARRAHER, D. W. Senso Crítico: do dia-a-dia às ciências humanas. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Fatos e Interpretações


"Contra o positivismo que pára perante os fenômenos e diz: 'Há apenas fatos', eu digo: 'Ao contrário, fatos é o que não há: há apenas interpretações' "

(Nietzsche)

segunda-feira, 23 de março de 2009

"Caravana de destinos" - John Steinbeck

Livro que depois foi publicado com o título "A rua das ilusões perdidas", Steinbeck retrata Cannery Row, uma cidade na Califórnia, ambiente inserido na década de 30, logo após a primeira Grande Guerra, onde não se tem um personagem principal, mas todos são igualmente participantes, no inconfundível estilo "steinbeckiano", onde a bondade, a solidariedade, ingenuidade, mansidão do ser humano são explorados.
No livro encontramos Mack e seus companheiros de desventuras, que levam a vida de pequenos furtos, trabalhos esporádicos, mas que fazem o bem, até os roubos são justificados e bem aceitos; Dora e suas "meninas", cumprindo seus papéis de meretrizes, mas que são capazes de ajudar e sabem ser aceitas na cidade; Lee Chong, o dono da loja da cidade, que até a ambição que possui é velada pela bondade e ajuda ao próximo; Doc, o cientista que coleta animais para abastecer os laboratórios das outras cidades, admirado e querido por todos, capaz de conter a ira, vendo a intenção pelo que provocou tal sentimento; Os Malloy, a cadela Darling...
Enfim, personagens que se entrelaçam e cumprem seu papel de viver pelo bem, sem maldade, nascidos de suas histórias trágicas e solitárias, mas que não deixaram a docilidade do viver bem e fazer o bem.
Para os admiradores de Steinbeck (como nós), um livro que não pode deixar de ser lido.

Passagens:
... enquanto a maioria dos homens busca de pleno contentamento acaba destruindo a si mesmos e ficam além do objetivos, Mack e seus amigos procuravam contentamento quase construindo a si mesmos e ficando muito além do objetivo...

[O bordel] solene de Dora Flood [é] uma casa de prazeres decente, limpa, honesta, antiquada, (...) um clube virtuoso e inflexível, (...) tornou-se odiada pela irmandade distorcida e lasciva de puritanas casadas, cujos maridos respeitam o lar, mas não o apreciam muito.

Todos conheciam Doc e lhe deviam de uma forma ou de outra. E não havia quem não pensasse nele sem murmurar em seguida: "preciso fazer alguma coisa por Doc..."

É muito fácil dizer "o tempo tudo cura, isso também vai passar, as pessoas esquecerão" e outras coisas no gênero, quando não se está diretamente envolvido. Mas quando se está, o tempo parece que não passa, as pessoas não esquecem e se fica no meio de uma situação inalterável.

sexta-feira, 20 de março de 2009

"Cabine para mulheres " - Anita Nair

Índia, final da década de 90. Insatisfeita com sua vida, Aklandeswari, ou apenas Akhila, indiana de 45 anos, solteira, sem filhos, provedora da sua família após a morte de seu pai, quando tornou-se responsável pelos três irmãos menores e a mãe, decide fazer uma viagem de trem num vagão apenas para mulheres, acreditando que aquelas vidas que encontrará ali dariam respostas a seus questionamentos e então decidiria seu próprio destino.
Ela poderia, como mulher, viver sozinha, sem marido ou filhos, ou teria de continuar com o peso da família em sua responsabilidade, sendo essa sua obrigação?

Então divide o vagão com outras seis mulheres, seis mundos, seis histórias, contadas cada uma em primeira pessoa, intercalando com sua própria história. Ali, as mulheres, casadas em sua maioria, com filhos ou não, traçam um retrato da realidade feminina no mundo masculino indiano, suas percepções de vida, paralelos de opiniões, sofrimentos, alegrias. Um mundo dos maridos, dos pais e filhos. Dá-se a narrativa os efeitos do tempo, as alterações que ele opera nos sentimentos e relacionamentos. Sonhos que se desfazem e transformam, vidas que são tocadas pelo tempo e seus efeitos.
Akhila percebe suas próprias fraquezas, erros, decepções, sua existência dedicada à família, esquecendo-se de si.
Busca naquelas mulheres respostas às perguntas que deseja saber: é possível viver sozinha e ser feliz ou mesmo tempo, sem um universo masculino que o norteie?
A resposta dá-se ao final da narrativa, com a decisão que toma.
Boa leitura!

Passagens e frases:
Como é que alguém sabe se ama, odeia ou é simplesmente indiferente a um homem? Como mede o que se sente? Com um tubo de ensaio ou uma pipeta? Com uma espátula ou balança de precisão?

O amor acena com um raro buquê. Pede-lhe que beba dele. E, então, queima a língua, os sentidos. O amor cega. O amor enlouquece. O amor afasta a razão das idéias. O amor mata. O amor é álcool metílico fingindo ser álcool etílico.

Todas essas mulheres (...) estão tentando dar algum sentido à sua vida falando sobre ela. E eu achando que era a única que buscava definir a realidade de minha vida. Elas precisam justificar seus fracassos, tanto quanto eu. Quando nos atiramos à trama das vidas, estamos tentando nos sentir menos culpados pelo que somos e pelo que nos tornamos.

...Mas acontece que o coração é uma pulseira de cristal. Um minuto de descuido e ele se espatifa... (...) E, no entanto, continuamos usando pulseiras de cristal. Cada vez que se quebram, compremos outras, na esperança de que durem mais que as anteriores. Como as mulheres são tolas! Devíamos usar pulseiras de granito e transformar nosso coração nesse mesmo material. Mas elas não refletiriam a luz desse jeito tão bonito, nem soariam com a mesma alegria...

O que é o amor, senão uma necessidade disfarçada?