sábado, 27 de junho de 2009

"A doçura do mundo" - Thrity Umrigar


"Você me ensina a dirigir?". A frase final que traduz quase o sentido do livro: tomar as rédeas da vida e decidir seu próprio destino, novos rumos, novas metas.
Tehmina Sethna, após a morte do marido Rustom, mudou-se para os Estados Unidos para viver com o filho, a nora e o neto, deixando a Índia, Bombaim, os amigos e suas origens. Sem a decisão final se permaneceria naquela terra nova, onde só estivera de visita a Sorab, o filho que se casara com uma americana, ou se voltaria à Bombaim. Essa dúvida permeia o livro, trazendo a discussão sobre sobrevivência e convivência sob o mesmo teto com a nora de costumes diferentes dos seus e o neto, Cookie, que crescia longe dos ditames indianos.
A visão do outro em relação aos seus costumes, que são alheios a si, apenas vistos por quem vê de fora, inconscientes, arraigados, e que, percebidos por outrem, tomam outra proporção; a presença ainda viva e forte do marido que a guiara por tantos anos, que agora a deixava à deriva, sem ter o comandante para guiar o timão do barco; a ingenuidade, bondade e amor que balizaram a vida de Tehmina, fazendo com que suas atitudes e pensamentos sejam ditados pelo que viveu, catando traços nos que cruzam seu caminho que justificam um ato de coragem, nunca de indiferença, raiva ou rancor... ... são algumas das tantas impressões que o livro nos deixa.
Até a decisão final se continua a viver nos EUA ou se volta à Índia, o livro desenvolve a rotina e a vida dos Sethna, desenrolando uma trama que proporciona ótima leitura, envolvente, emocionante, cativante.
Boa leitura!

Passagens:
"Quando os carregadores profissionais, com sua aparência fúnebre, chegaram para levantar o corpo dele e levá-lo à sua viagem final até o local onde os abutres descreviam voltas sobre o poço, Tehmina tivera de admitir que nem mesmo Rustom era capaz de vencer a morte, que a morte conseguira transformar seu rosto moreno e bronzeado numa espécie de giz cinzento(...), e que o relâmpago obscuro da morte era maior do que a energia elétrica que antes vibrara no corpo dele"

"A vida é feita mais do que a família imediata(...) - os vizinhos, mesmo aqueles que a gente não suporta; os amigos que a gente conhece há mais tempo do que conheceu o próprio marido; Sunil, o leiteiro que trapaceava, pondo água no leite que entregava na porta; Krishna e Parvati, o casal de sem-teto do outro lado da rua; Shiva, o mendigo sem pernas que vinha correndo feito um louco, no skate em que se sentava, para cumprimentar a gente com um sorriso (...). A vida é feita de todas as nossas rotinas."

"...Esse é um amor ilimitado, imorredouro, que não restringe, não aprisiona e nem retém, mas sai dançando à nossa frente como um espírito luminoso, que atrai a chama até que o sigamos, atravessando todo o universo"

"...por que essa relutância em enxergar Tara na plena complexidade de seu eu? Por que esse endurecimento do coração, esse desejo moralista de não reconhecer as raízes do comportamento precário daquela mulher com relação aos filhos? Por ventura Tehmina não vira com frequência, em seu trabalho de voluntária, como os maus-tratos perseguiam as gerações, como faziam seu pérfido veneno gotejar de um recipiente vazio para outro?"

terça-feira, 23 de junho de 2009

"O guardião de memórias" - Kim Edwards

Quando guardamos apenas conosco marcas de nossas vidas, segredos não revelados, mentiras contadas como verdades, ou elas nos envenenam ou nos fecha para o mundo. Essa é a sensação que o livro nos deixa, ao deitarmos a última página e finalizarmos a leitura.
Quando David Henry, na realidade David Henry MacCallister, fez o parto dos filhos gêmeos e tomou a decisão de mandar a filha nascida com Síndrome de Down para que fosse entregue numa instituição para deficientes mentais logo após o parto da esposa, ficando com o menino, perfeito e sem problemas, dizendo à esposa que a filha era natimorta, guardou a verdade para si. Não sabia que lidar com a “morte” da filha seria tão ou mais penoso para a esposa que aprender a lidar com a excepcionalidade da criança. Carregar o peso de saber da filha viva, ter suas próprias razões para tomar a decisão e não compartilhar, tomado pela angústia de levar segredos e memórias, transformou-o em escravo de suas próprias memórias e culpas.
A dolorosa perda da filha recém-nascida e sequer vista na percepção da mãe, suas fugas na bebida e em casos extraconjugais; o silêncio como construção da personalidade do filho...
Lembranças que se tornam marcos, lamentos contidos, silêncio como resposta.
Em paralelo, o crescimento de Phoebe, a menina que foi criada longe dos pais e que, apesar de ser portadora da Síndrome de Down, levou adiante sua vida, contrariando as expectativas de Henry, que julgou não viver tanto e com saúde.
A luta da mãe adotiva para incluir a filha em instituições públicas, o universo excepcional da criança que se torna mulher, capaz de um amor e credulidade que conquistavam e fazer-se amada mais ainda.
Esses são alguns dos temas que encontramos no livro, uma novela que percorre a vida dos personagens de 1964 a 1989.
Bom livro.

Passagens:
"...desde o nascimento dos filhos - Paul (...) e Phoebe, de algum modo presente pela ausência, apareendo-lhe em sonhos, parada no limiar invisível de cada momento -, Norah já não conseguia entender o mundo do mesmo jeito. Sua perda lhe deixara uma sensação de desamparo, que ela combaia preenchendo os dias."

"- A fotografia tem tudo a ver com segredos (...).Os segredos que todos temos e nunca revelamos.
- A música não é assim. (...)A música é como tocar a pulsação do mundo. A música está sempre acontecendo. Às vezes a gente consegue tocá-la por um momento e, quando consegue, sabe que tudo está ligado a tudo."

"Não se pode deter o tempo. (...) Não de pode captar a luz. Tudo que a gente pode fazer é virar o rosto para cima e deixar a chuva cair."

sábado, 20 de junho de 2009

Eric Clapton - a autobiografia


O livro escrito pelo pop star Eric Clapton, por tratar-se de uma autobiográfico não há muito o que "resenhar". Já diz o que é e de que se trata: vida, carreira, experiências pessoais de Eric Clapton, de sua infância, passando pela ascenção no mundo artístico, como guitarrista, depois sua carreira solo, o uso de drogas, o envolvimento com várias mulheres, famosas ou não... o mundo que se esconde por trás da fama e brilho de uma estrela da música mundial pelos olhos de um de seus integrantes.
O que fascinou no livro não foi acompanhar a vida
pessoal do artista, mas ter conhecimento de como nasceram tantas músicas que admiramos, gostamos, transporta-nos a outro universo, como por exemplo "Layla", "Cocaine", "Tears In Heaven", "Tearing us apart", "Holy mother", "My father's eyes", entre tantas outras.
Além de
acompanhar o nascimento dessas canções, perceber a influência de Muddy Watters e essa presença ser sempre lembrada em todo o livro, o que é um deleite para quem se encanta com o trabalho desse cantor de blues americano.
Para quem conhece a arte de tocar violão ou guitarra, a forma com que ele descreve sua maneira de dedilhar, como desenvolveu sua técnica, o andar entre trastes e cordas como se fosse uma teoria própria, mas para quem conhece, torna-se uma viagem.
Fora isso, o livro é previsível, não surpreende, num eterno retorno à frase "o melhor momento de minha vida", "a melhor fase que passei", "o maior emoção que senti", "nunca fiquei tão extasiado"... ou seja, foram vários então.
Mas compensa ser lido, pois torna visível que a paixão por algo faz com que se torne possível qualquer
objetivo a que se proponha. No caso de Clapton, a música.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

"A megera domada" - William Shakespeare

Clássico da literatura, a peça de teatro de Shakespeare "A megera domada" é algo que não pode deixar de ser lido.
Trata-se do casamento de Catarina, a filha mais velha de Batista, que precisa ser desposada antes, para que sua irmã mais moça, Bianca, case-se com algum dos vários pretendentes à sua mão. Porém, apesar de bela, a personalidade forte e a rudeza da primeira filha afasta qualquer candidato à sua mão.
Um do pretendentes de Bianca, Lucêncio, sabendo do dote que Catarina levará ao casar-se, convence Petrúquio a fazê-lo, pois que esse necessita do valor que receberá e, no trato, assemelha-se à personalidade de Catarina. Aliado a estratégia traçada, arma um plano para conquistar Bianca, disfarçando-se de professor e fazendo de seu criado ele mesmo, para apresentar-se a Batista como mais um pretendente, enquanto encontra-se livre para fazer a corte à amada.
A sagacidade de Petrúquio para "domar" a esposa não apenas nos faz rir, como analisar que o comportamento humano é condicionado àquilo que é imposto como castigo, mas dito que feito por amor.
À parte a trama do livro, a edição que conta com a tradução de Millôr Fernandes tira o rebuscado dos diálgos, preservando um humor contemporâneo e divertido de se ler.
Como o tradutor mesmo diz, "Não se pode traduzir sem o amplo conhecimento da língua traduzida mas, acima de tudo, sem o fácil domínio da língua para a qual se traduz. (...) Não se pode traduzir sem ser escritor, com estilo próprio, originalidade sua, senso profissional. Não se pode traduzir sem dignidade".
Essa edição, publicada pela Editora L&PM Pocket é deleitar-se com Sheakespeare e viajar na mente de Fernandes também.

sábado, 13 de junho de 2009

"Para sempre ou nunca mais" - Raymond Chandler

Livro policial, tendo como protagonista Philip Marlowe, detetive particular, contratado para seguir Eleanor King (ou Betty Mayfield ou Sra. Kingsolving), onde não lhe foi revelado as razões de informar os passos ou destino da mesma.
Profissional resignado, cínico, irônico, Malowe envolve-se na missão que deveria ser investigativa, emaranhando-se na trama, buscando, depois de cumprir sua tarefa de informar o paradeiro de seu objeto de trabalho, voltando à cena para descobrir o que haveria de mistério e quem seria Eleanor King.
Assassinato do provável amante de Eleanor, personagens escusos de Esmeralda, cidade onde ela foi refugiar-se, outros investigadores que estavam a procura dela, são algumas dos mistérios do livro.
Romance policial de qualidade, curto, fácil leitura.

Passagens:

"O bom senso é como o jogador reserva que poderia ter feito a bola do jogo se estivesse no time. Mas ele nunca está. Ele assiste a tudo da arquibancada, uma garrafinha no bolso. O bom senso é um homenzinho num terno cinza, que jamais erra uma conta. Mas é sempre o dinheiro de outra pessoa que ele está contando"

"Muitas poucas coisas dão alegria a um homem de minha idade. Um beija-flor, o modo extraordinário como se abre um botão de estrelícia. Por que em certo ponto de seu florescimento o botão se volta para os ângulos corretos? (...)Que estranha divindade criou um mundo tão complicado quando poderia, presumivelmente, ter feito um tão simples? (...) Há sofrimentos demais no mundo, quase sempre de inocentes."